A primeira bolha social é a da religião. Não estamos aqui dizendo que a religião em si mesma seja um problema, muito pelo contrário. O apontamento é referente ao fechamento num grupo. Daqueles que se consideram os “eleitos”, vaidade própria de quem se considera portador da verdade que os demais não tem, a menos que decidam trilhar os mesmos caminhos que os deles. Doce ilusão de quem ignora que a verdade é filha do tempo, e que vários caminhos a ela conduzem.
Quando desconsideramos essa realidade, bloqueamos o aprofundamento na própria religiosidade, que é característica de quem submete a fé ao filtro da crítica, fortalecendo-a através das exigências da razão.
Outra consideração fundamental é que dentro da própria religião, a formação de bolhas adoradoras das personalidades que nela se destacam, representa um problema maior do que o citado anteriormente. A bajulação de quem se destaca pela facilidade de expressar os conceitos de seu segmento religioso, faz com que verdadeiros fãs clubes se formem. Eis que surge o problema da bolha dentro da bolha, como uma dupla camada ilusória que dissipa o objetivo de promover a autonomia do pensar, que é resultado do amadurecimento de quem aprendeu a não substituir a própria capacidade, pela capacidade alheia. Talvez o comodismo explique esse comportamento, mesmo porque aqueles que admiramos são, quase sempre, pessoas tão falhas e limitadas quanto nós mesmos.
Política! A tal militância pelo que acreditamos ser o melhor para o país é um perigo terrível. O perigo é o fanatismo em torno desse ponto, pois a falsa ideia que estamos lutando por uma causa maior capaz de “salvar” o país, leva as pessoas a extravasarem os maiores absurdos de comportamento humano em nome da causa.
O exercício da cidadania passa de maneira falsa a ser apropriada pelo grupo que pensa politicamente igual, como se ser cidadão fosse unicamente expresso em militância política. Aliás, cidadania é traduzir na ação diária, valores como honestidade, senso comunitário, espírito filantrópico e ética. Quando esses valores são substituídos pela pura militância, surgem as bolhas da intolerância, tão facilmente identificadas nos dias de hoje.
Alguns sintomas são caraterísticas muito comuns nos membros das bolhas da intolerância. A solidariedade seletiva está presente em toda bolha, mas quando o assunto é política, isso se torna mais discrepante. Perda de laços afetivos, tais como os da amizade e mesmo familiares, em função de distintos posicionamentos políticos também é muito comum. Pensamento fixo em pautas partidárias gera uma verdadeira neurose em quem pensa 24h do dia em assuntos referentes ao partido de sua simpatia. Por fim, a idolatria a imaginários “salvadores da pátria”. Quando depositamos nossa confiança numa pessoa e não nas ideias que ela representa, nos perdemos na idolatria. A cegueira nessas condições são tantas, que passamos a divinizar o escândalo, a corrupção e toda sujeira moral em nome da confiança em pessoas que não merecem consideração. As bolhas em torno dessa disformidade moral são as mais insanas e dispostas a tudo quando o seu “santo” é atacado pela crítica. Quanta ignorância!
Bom, meu último exemplo de bolha social, muitos estarão pensando que vai se basear nos três temas que não se discutem, conforme a “sabedoria” popular, religião, política e futebol. Não comentarei esse último, por considerar temática sem importância. Substituirei pela atenção ao corpo e a frenética busca pela estética e qualidade de vida.
Uma das atenções mais primitivas da humanidade é a do corpo, resultado da luta pela sobrevivência, as formas físicas mais avantajadas na chamada pré história tinham vantagens ambientais e reprodutivas, basicamente.
Ao passar dos milênios, percebemos que a atenção ao corpo continua em alta, com mais sofisticação, evidentemente, pois antes da era da razão, não havia a plena consciência de si, tal como temos hoje. Digo isso em razão da existência de comunidades (bolhas) imensas de culto ao corpo. O conhecido universo fitness hoje em dia, representa um forte mercado e, como todo mercado, cercado por poderoso marketing que, a rigor, sempre buscará esconder as sombras que nele existe, para atrair a atenção de um público pouco crítico.
A pouca criticidade desse público é mais que necessária, já que os belos corpos largamente divulgados pelas empresas que movimentam esse mercado da mentira, jamais podem ser questionados sem que haja uma enxurrada de ataques sempre inspirados na premissa de que é inveja, recalque por parte de quem critica, como se todas as críticas tivessem causa em uma única fonte. Esse pensamento é um elemento revigorante da assertiva do Nelson Rodrigues quando diz “que toda generalização é burra”, além de representar uma postura infantil.
Interessante ressaltar que nem todas as pessoas que entram numa academia estão intoxicadas pelas ilusões que envolvem a bolha dos que cultuam o corpo. Afinal, nem todas as pessoas que buscam qualidade de vida restringem a própria vida a resultados corporais excessivos, e pelo consumo de esteróides anabolizantes, quando há a revolta com a própria condição física.
Essa revolta reúne pessoas formando verdadeiras hordas de estúpidos que, contrariando pareceres médicos, acabam por relativizar os danos das chamadas “bombas” sobre seus organismos.
Além dos efeitos colaterais físicos, de corpos bonitos por fora e adoecidos por dentro, tamanha a carga hormonal que recebem, existem os colaterais cognitivos. Ja experimentou conversar com quem só pensa em academia? Realmente não sai nada, é a escassez do deserto personificada. Só restando para essas pessoas confraternizarem no circulo estreito de suas bolhas, incapazes de ampliar o pensamento para além dos seus anseios. Triste realidade.
Poderíamos citar inúmeros exemplos de bolhas, de forma a ajudar na reflexão e na ação de evitarmos essas armadilhas tão deploráveis, mas não queremos cansá-los com longos textos. Penso que essas pinceladas já comportam alguns elementos para nossa análise crítica e reflexiva.
Em breve retornaremos com novos textos, sobre assuntos diversos.