quarta-feira, 6 de maio de 2020

BOLHAS 2


   A primeira bolha social é a da religião. Não estamos aqui dizendo que a religião em si mesma seja um problema, muito pelo contrário. O apontamento é referente ao fechamento num grupo. Daqueles que se consideram os “eleitos”, vaidade própria de quem se considera portador da verdade que os demais não tem, a menos que decidam trilhar os mesmos caminhos que os deles. Doce ilusão de quem ignora que a verdade é filha do tempo, e que vários caminhos a ela conduzem.
   Quando desconsideramos essa realidade, bloqueamos o aprofundamento na própria religiosidade, que é característica de quem submete a fé ao filtro da crítica, fortalecendo-a através das exigências da razão. 
    Outra consideração fundamental é que dentro da própria religião, a formação de bolhas adoradoras das personalidades que nela se destacam, representa um problema maior do que o citado anteriormente. A bajulação de quem se destaca pela facilidade de expressar os conceitos de seu segmento religioso, faz com que verdadeiros fãs clubes se formem. Eis que surge o problema da bolha dentro da bolha, como uma dupla camada ilusória que dissipa o objetivo de promover a autonomia do pensar, que é resultado do amadurecimento de quem aprendeu a não substituir a própria capacidade, pela capacidade alheia. Talvez o comodismo explique esse comportamento, mesmo porque aqueles que admiramos são, quase sempre, pessoas tão falhas e limitadas quanto nós mesmos.     
   Política! A tal militância pelo que acreditamos ser o melhor para o país é um perigo terrível. O perigo é o fanatismo em torno desse ponto, pois a falsa ideia que estamos lutando por uma causa maior capaz de “salvar” o país, leva as pessoas a extravasarem os maiores absurdos de comportamento humano em nome da causa.
   O exercício da cidadania passa de maneira falsa a ser apropriada pelo grupo que pensa politicamente igual, como se ser cidadão fosse unicamente expresso em militância política. Aliás, cidadania é traduzir na ação diária, valores como honestidade, senso comunitário, espírito filantrópico e ética. Quando esses valores são substituídos pela pura militância, surgem as bolhas da intolerância, tão facilmente identificadas nos dias de hoje.
    Alguns sintomas são caraterísticas muito comuns nos membros das bolhas da intolerância. A solidariedade seletiva está presente em toda bolha, mas quando o assunto é política, isso se torna mais discrepante. Perda de laços afetivos, tais como os da amizade e mesmo familiares, em função de distintos posicionamentos políticos também é muito comum. Pensamento fixo em pautas partidárias gera uma verdadeira neurose em quem pensa 24h do dia em assuntos referentes ao partido de sua simpatia. Por fim, a idolatria a imaginários “salvadores da pátria”. Quando depositamos nossa confiança numa pessoa e não nas ideias que ela representa, nos perdemos na idolatria. A cegueira nessas condições são tantas, que passamos a divinizar o escândalo, a corrupção e toda sujeira moral em nome da confiança em pessoas que não merecem consideração. As bolhas em torno dessa disformidade moral são as mais insanas e dispostas a tudo quando o seu “santo” é atacado pela crítica. Quanta ignorância!
    Bom, meu último exemplo de bolha social, muitos estarão pensando que vai se basear nos três temas que não se discutem, conforme a “sabedoria” popular, religião, política e futebol. Não comentarei esse último, por considerar temática sem importância. Substituirei pela atenção ao corpo e a frenética busca pela estética e qualidade de vida.
    Uma das atenções mais primitivas da humanidade é a do corpo, resultado da luta pela sobrevivência, as formas físicas mais avantajadas na chamada pré história tinham vantagens ambientais e reprodutivas, basicamente. 
    Ao passar dos milênios, percebemos que a atenção ao corpo continua em alta, com mais sofisticação, evidentemente, pois antes da era da razão, não havia a plena consciência de si, tal como temos hoje. Digo isso em razão da existência de comunidades (bolhas) imensas de culto ao corpo. O conhecido universo fitness hoje em dia, representa um forte mercado e, como todo mercado, cercado por poderoso marketing que, a rigor, sempre buscará esconder as sombras que nele existe, para atrair a atenção de um público pouco crítico. 
    A pouca criticidade desse público é mais que necessária, já que os belos corpos largamente divulgados pelas empresas que movimentam esse mercado da mentira, jamais podem ser questionados sem que haja uma enxurrada de ataques sempre inspirados na premissa de que é inveja, recalque por parte de quem critica, como se todas as críticas tivessem causa em uma única fonte. Esse pensamento é um elemento revigorante da assertiva do Nelson Rodrigues quando diz “que toda generalização é burra”, além de representar uma postura infantil.
    Interessante ressaltar que nem todas as pessoas que entram numa academia estão intoxicadas pelas ilusões que envolvem a bolha dos que cultuam o corpo. Afinal, nem todas as pessoas que buscam qualidade de vida restringem a própria vida a resultados corporais excessivos, e pelo consumo de esteróides anabolizantes, quando há a revolta com a própria condição física. 
    Essa revolta reúne pessoas formando verdadeiras hordas de estúpidos que, contrariando pareceres médicos, acabam por relativizar os danos das chamadas “bombas” sobre seus organismos.
    Além dos efeitos colaterais físicos, de corpos bonitos por fora e adoecidos por dentro, tamanha a carga hormonal que recebem, existem os colaterais cognitivos. Ja experimentou conversar com quem só pensa em academia? Realmente não sai nada, é a escassez do deserto personificada. Só restando para essas pessoas confraternizarem no circulo estreito de suas bolhas, incapazes de ampliar o pensamento para além dos seus anseios. Triste realidade. 
    Poderíamos citar inúmeros exemplos de bolhas, de forma a ajudar na reflexão e na ação de evitarmos essas armadilhas tão deploráveis, mas não queremos cansá-los com longos textos. Penso que essas pinceladas já comportam alguns elementos para nossa análise crítica e reflexiva.
    Em breve retornaremos com novos textos, sobre assuntos diversos.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

BOLHAS

O conceito de bolha social nos lembra a ideia que em anos anteriores se tinha de tribos urbanas. Hoje as bolhas talvez se distingam do antigo conceito, pela mudança e ampliação dos tipos de conexões entre pessoas, grandemente impactada pelas redes sociais e o império da internet. Como observadores dessas mudanças, identificamos alguns pontos dessa realidade, absolutamente devastadores da inteligência. E por que devastadores da inteligência? A resposta é elementar. Toda vez que há restrição do pensamento em uma única visão de mundo ou segmento de atividade humana, sem nenhuma espécie de abertura ao contraditório, à crítica, haverá a paralisia do intelecto. Quando se chama alguém de “burro” é pelo simbolo que o animal representa de paralisia, quando empaca. Por livre e espontânea vontade o bicho resolve parar, e não existe metodologia possível que o faça caminhar. Desde o carinho ao chicote, não sai do lugar a menos que ele mesmo resolva sair do lugar. Vamos através desse manifesto, elencar alguns problemas gerados pela cegueira que pode tomar conta de nós quando não optamos pela racionalidade, pelo questionamento constante, e pela busca do contraste, de ideias diferentes das nossas que possam nos ajudar de alguma forma. Evidentemente que é preciso disposição de “furar a própria bolha”, afim de não reduzirmos a vida à frenética expectativa de corresponder à expectativa de determinado público ou até mesmo de uma pessoa, acarretando graves transtornos de ansiedade e personalidade. Uma avaliação inicial, inspirada no pensamento do filósofo Hegel, é que todos buscamos uma razão de ser, a psicologia moderna denomina como uma busca de pertencimento, que a grosso modo, é a necessidade que temos de atribuir sentido às nossas ações e à nossa própria existência. Na minha avaliação se trata de uma “carência crônica” que todo ser humano tem. E essa carência ou falta pode ser preenchida de várias formas, mas esse preenchimento se torna doentio quando baseado na aprovação social. Talvez seja essa a problemática central das chamadas bolhas, a ditadura do aplauso e da retroalimentação de egos. Sujeito e objeto sob essa perspectiva se relacionam da forma mais tóxica possível. Muito se fala de relacionamentos tóxicos ou abusivos entre casais, mas não com tanta frequência se fala em relacionamentos tóxicos do ponto de vista de grupo ou bolhas. O sujeito (indivíduo) e o objeto (grupo), estabelecem entre si, uma relação de entorpecimento recíproco no que diz respeito a visão de mundo, fazendo com que todos se descolem da realidade totalmente, tendo consequências no caráter dos envolvidos. A importância de nunca se fechar nas próprias ideias é fundamental para o desenvolvimento integral de cada um de nós. Por mais que possamos nos desenvolver em determinados pontos da vida, seremos sempre pessoas alienadas quando nossas ideias não dialogarem com a crítica fundamentada sobre aquilo que pensamos e/ou fazemos, a ponto de podermos mudar visões de mundo quando acharmos que seja o melhor caminho ao crescimento. Uma frase atribuída a Einstein, o maior físico de todos os tempos, na minha concepção, diz “Uma mente que se abre a uma nova ideia, jamais volta ao seu tamanho original”. Essa máxima é fundamental em nossas vidas… Decidimos traçar alguns segmentos de atividade humana para criticar construtivamente, na minha avaliação. Essa crítica será a minha contribuição para as reflexões e, talvez, revisões em micro escala. Nenhuma pretensão quantitativa nesse sentido.
A primeira análise será feita no próximo texto, que será publicada segunda feira, dia 4/05. Aguardem!